3 de julho de 2012

Criação literária, publicado no jornal A Tarde, sábado, 30/06/2012



Se você pretende escrever histórias inventadas, dê um tempo a sua mente para que ela crie as condições adequadas à nova tarefa. Não tenha pressa, aja como se tivesse feito um convite e aguarde com paciência o visitante.  Enquanto isso, observe, com atenção, ambientes, paisagens e, de todas as pessoas que puder, seus gestos, tons de voz e expressões corporais. Tente imaginar o que pensam e sentem. Lembre-se: o mundo é o laboratório do escritor. Antes de dormir, visualize-se escrevendo.
Procedendo dessa forma, dia após dia, é possível que uma boa ideia se apresente como tema. Esta ideia pode surgir como se viesse do nada ou em decorrência da observação de fatos reais, tenhamos ou não participado deles. O enredo da história também ocorre de maneiras diversas, completo ou em partes. Quando se revela, está na hora de começar a escrever, as cenas vão-se apresentando devagar.
Assim fiz, a partir de certo momento em que fui assaltada por um desejo insuperável de escrever ficção. Durante o tempo de espera, cursos, estudos, muitas leituras e o olhar de aprendiz que jamais se apartou de mim. O tema e o enredo do meu primeiro livro chegaram repentinamente e no mesmo instante. Acordei com os dois em minha mente.
Ao longo da escrita, tive sonhos que eram verdadeiras aulas de literatura; informações acerca da elaboração do texto e da caracterização dos personagens. Destes últimos, destacou-se uma narradora pronta e exigente. Logo percebi que não deveria tentar mudar coisa alguma que ela sussurrasse em minha mente, caso contrário, a criatura prontamente emudecia. Disputou ferozmente a escrita deste livro com minha personalidade normal, a que vivencia o dia-a-dia, tem filhos, netos, amigos, exerce a profissão de psicóloga, enfim a que “sou eu”. Algumas vezes, eu tentava alterar o que parecia em desacordo com meus conhecimentos da psicologia humana. Sua resposta era o silêncio. Resolvi então aceitar tudo o que viesse dela, passei a usar a lógica apenas quando dava forma e corrigia o texto ou na adequação da história ao ambiente temporal, geográfico e social. No inicio, para manter tal conduta, antes de começar a escrever, dizia a mim mesma: “Agora sou Morgana Gazel”, nome com o qual batizei esta narradora.
Levando em conta o que ocorre comigo no ato de escrever romances, fico a imaginar que, em qualquer atividade criadora, acessamos uma dimensão misteriosa, onde cenas, imagens, sons e concepções pululam à semelhança do mundo das ideias de Platão. Gosto de pensar que nesta dimensão o Grande Artista toca sua música e a nós, sujeitos ao cogito cartesiano, cabe apenas dançar. Felizes daqueles que são capazes de soltar o corpo de modo a se deixar levar pelo ritmo e pela melodia.

Morgana Gazel
Autora de romances, poemas e contos.


Nota: Este artigo, já publicado neste blog, foi adaptado para o jornal. 

4 comentários:

Blogger disse...

Beleza de artigo, Morganática. Boas dicas para os iniciantes, e também para os que já se dedicam a escrita literária . Parabéns pela clareza com que expõe suas idéias. Abraço da rebrilha Daisy Buazar

Eliane Accioly disse...

Querida Morgana Gazel, adorei saber do nome. O texto é um primor, vou fazer "os exercícios"; uma das coisas que mais gosto é de observar pessoas, ambientes, as diferenças entre árvores, paisagens, cores, e... a vida, o mundo!!!!!!!! Seu blog é tudo isto. Ah, adorei as fotos no facebook, voltarei à sua página. Beijos

Guacira Maciel disse...

Olá, Morgana Gazel
bom dia.

Dei umas espiadinhas no seu Blog e gostei do que li; muita sensibilidade acima de tudo.

Abraço,
Guacira
www.gpoetica.blogspot.com

Lilian Torres disse...

Que lindo texto, permeado de delicada sensibilidade, refinada percepção e palavras que alcançam o íntimo. Parabéns! Abraços.