15 de novembro de 2012

Release do romance Enseada do Segredo, publicado no jornal A Tarde. Salvador – 15/11/2012. Populares, página 4.


Um suave mergulho nas enseadas dos nossos segredos mais profundos

PATRÍCIA LINS 

“Enseada do Segredo”, livro de Morgana Gazel, tem como foco uma mentira familiar e se situa num subúrbio imaginário do nordeste brasileiro, no período da ditadura militar. “Os personagens não são separados em categorias distintas de bons e de maus. Todos atuam sob o comando de sua humanidade. Apresenta, além do cunho psicológico, um aspecto educativo. O que se justifica; pois a educação é uma condição necessária para uma condução mais harmoniosa do homem no mundo”, conforme expressa a própria autora. 

Aparentemente, trata-se de um simples romance, porém, a estrutura escolhida foi apenas um recurso literário para ambientalizar o mergulho que, ao lê-lo, damos em nossas subjetividades. Com o recurso da terceira pessoa e de uma linguagem bastante acessível, leve e envolvente, a história é narrada. E os diálogos diretos, que acontecem em vários momentos da trama, criam um clima de realidade. 

Mistério, dia-a-dia, dramas, conflitos, romances, paixões, descobertas, mudanças e transformações são os cenários perfeitos para encontrarmos a nós mesmos e nos entregarmos a essa leitura empolgante, criativa e muito bem amarrada, em que Morgana Gazel nos guia através da vida de Fred. 

Uma característica marcante é a tensão frequente que envolve Fred, o protagonista. Ele vive uma vida normal, sem grandes razões para questionamentos que contradigam sua realidade. Mas, dentro dele, há um incômodo... Uma sensação... Fred não os sabe descrever e também não percebe que sinalizam as causas de ele desconfiar da mãe, sem que tenha consciência disso. Esta desconfiança transparece em suas atitudes. 

O desenrolar da trama inicial transcorre, mostrando a relação de Fred com o ambiente onde mora, com os amigos, a mãe, tia Zezé, os estudos, a descoberta do amor adolescente, as festas, os mergulhos, os desafios diários, os planos para o futuro e, além disso, sua ignorância do que acontece em seu país; o que, nesta história, lhe chega apenas como notícia. 

Com 224 páginas excitantes, a autora consegue, utilizando-se do que há de melhor em recurso literário, que é a criatividade sem perda do foco na trama, descrever sensações e emoções humanas, onde só nos falta tocar nelas. Morgana Gazel, praticamente, materializa os sentimentos humanos, tornando-os quase palpáveis. Dá para escutar o coração de Fred bater forte por Jéssica; e ela nem sequer se dá conta... É possível sentir o sofrimento de uma mãe zelosa que dá o máximo de si ao filho, o máximo que nunca é suficiente. Fred é um jovem inteligente, tímido, pacato, que gosta do lugar onde mora. E vive aquele mundo, de modo que nada lhe proporciona tanto prazer como mergulhar nas águas da enseada sem perder o fôlego e depois flutuar sob o céu azul! Ali, ele se sente protegido, amparado e fortalecido, como se estivesse no ventre materno, a melhor zona de conforto para todo e qualquer ser vivo! 

O ápice dá-se, num momento em que Fred se depara com algo inusitado: em sua família, escondia-se um segredo! Como consequência do clímax, surgem questões: O que fazer quando percebemos em nós o que tanto condenamos? O que fazer quando nos deparamos com uma verdade que nem sabíamos existir? O que fazer diante de uma grande decepção? Como reagir diante de uma dor profunda e insuportável? Quanto dilema. Quanto sofrimento. Tudo isso após ter sido nocauteado pelo conteúdo desse segredo e pela forma como lhe foi revelado. 

Escrito para ser lido por todas as idades, o “Enseada do Segredo” toca as mentes e os corações jovens e adultos, convidando-os a participar do processo de “humanização do homem”, que é facilitado por cada conduta, diálogo e ação dos personagens. E através de questões estimuladas pela leitura, tais como: estamos preparados para enfrentar a verdade? Diante de desafios que nos levaria a uma mudança real, dispomo-nos a enfrentá-los ou resistimos, acomodando-nos numa zona de conforto e estagnação?... Ante estas e outras questões, afigura-se ao leitor o caráter exploratório que aparece em situações de escolha e tomada de decisões. Ao término da leitura, dá vontade de retomá-la desde a primeira página, na tentativa de, enfim, apaziguarmos as emoções desencadeadas, nesse mergulho sublime nas águas internas do autoconhecimento. Portanto, uma leitura rica e enriquecedora. 

PATRÍCIA LINS / PUBLICITÁRIA, RADIALISTA E RELAÇÕES PÚBLICAS.


11 de outubro de 2012

A Petrópolis que eu vi.


Dia 14/09, estava eu em Petrópolis participando do prêmio literário, promovido pela Literarte – Associação de Escritores e Artistas. No Palácio de Cristal, soaram cânticos de vozes afinadíssimas de um coral, em slides eram exibidas biografias no momento em que homenageados, como eu, recebiam troféus e um público seleto enchia o salão de alegria e aplausos.

No entanto o que me encantou não se restringiu a esta cerimônia que, por si só, poderia ser o tema deste escrito. Meu olhar também não se deteve somente na historicidade dos monumentos locais: o Museu Imperial; a Catedral São Pedro de Alcântara, que guarda o que restou de nosso imperador D. Pedro II e sua família; a Casa de Cláudio Souza, o patrono do Prêmio Literarte, e vários outros. Meu olhar foi atraído por pequenos detalhes que fazem de Petrópolis uma cidade modelo.

Ao subir a serra, parecia que estava sendo levada ao paraíso. Ridículo, não? Assim avaliei o que senti, pois viajara tantas vezes! Em duas dessas ocasiões, fui a Paris e visitei cidades do interior da França e Suíça, também já conhecia algumas regiões do meu país: a Chapada Diamantina, da qual Lençóis é o centro urbano de minha preferência; o nordeste, sul e centro-oeste do Brasil. Naquele dia, porém, enquanto o ônibus enfrentava as curvas, ora quase raspando paredões, ora descortinando despenhadeiros nebulosos, algo me tocou profundamente.

Fui recebida por amigos, um casal de escritores, Sol e Almir, que de imediato me levaram para conhecer o centro da cidade. A princípio não fiquei muito animada, minha atitude mudou logo que comecei a perceber os tais detalhes. Primeiro, o trânsito ordeiro, sem semáforos, o pedestre pisa na faixa, os carros param! Eu presenciara isto apenas na Suíça. Depois caminhei em ruas absolutamente limpas e não vi recipientes com lixo transbordando como ocorre em vários lugares. O povo em geral é circunspecto, porém solidário e, vale ressaltar, gentilíssimo ao ser abordado; diversas vezes pude observar estas qualidades. Outro aspecto digno de nota é a preservação das construções antigas, como a Casa dos Sete Erros, o Museu Imperial, os hotéis e muitas outras. Todas com excelente aspecto, como se tivessem sido recentemente pintadas, os jardins bem cuidados.

Além disso, soube que grande parte da população se dedica à cultura e arte, praticando-as ou apreciando-as. A despeito da temperatura que oscila de amena à baixa, em vez de ficarem em casa, assistindo à TV, as pessoas vão a eventos literários, musicais e a teatros. 


Morgana Gazel - autora de romances, poemas e contos.

20 de setembro de 2012

‘Memoráveis Mestres’


O centenário de dois brasileiros excepcionais, Nelson Rodrigues e Jorge Amado, tem sido motivo de comemorações de toda ordem, com justa causa. Como poucos, expõem a alma brasileira por meio de raios X que revelam virtudes, defeitos e curiosidades que enaltecem o particular estilo brasileiro de ser.

Nelson Rodrigues e Jorge Amado, além do talento comum parecem ser avessos a comemorações, no entanto não passariam impunes.
Nelson e Amado se vivos estivessem brindariam, neste agosto, um centenário frutífero, rodeados de amigos, fãs, admiradores, com festas por todo lado apesar da discrição que mantinham sobre si e suas obras. A obra eterniza seu criador e podemos sentir claramente esta afirmação na história de ambos.


Nelson foi jornalista, escritor e um crítico feroz da hipocrisia.  Mantinha uma lente de aumento nas mazelas humanas e na sociedade. Escrevia o lado obscuro da humanidade e falava das coisas que geralmente colocamos para baixo do tapete, cujo pano de fundo era quase sempre a morte onde, segundo Nelson, residia o sentido da vida. Razão que o fez ser considerado, por muitos, irreverente e incompreendido.
Expunha as vísceras da alma humana. No teatro escreveu um capítulo à parte, singular, para especialistas criou o teatro rodrigueano, quiçá o universo Nelson Rodrigues, na verdade um jeito todo seu de colocar em cena ‘a vida como ela é’.  Um bom exemplo, entre tantos de seus escritos, é a conhecida peça ‘Vestido de Noiva’, um marco divisório na dramaturgia brasileira. Tamanha a força de suas obras que ainda hoje nos põem a refletir, tempos depois de escritas.

Imortal Jorge Amado, boa praça, bom de papo como ninguém, falou, escreveu e levou aos quatro cantos do mundo o nordeste, sua gente, seu jeito, suas peculiaridades, mostrando um Brasil recheado de uma cultura tão rica e viva, porém desconhecida até seus escritos primorosos. Muito fez por nossa literatura, viveu-a intensamente de fato e direito, deixando um legado tão inquestionável quanto vasto. A maioria delas muito bem retratada não só em TV como em cinema, mundo afora. 

Sua interferência política deu voz ao povo menos favorecido tornando-se deputado federal e criando leis dignas como a do direito autoral e da liberdade religiosa. Sabia o que fazia, apesar da modéstia que se imputava.

A arte se encontra como for, onde for, de que jeito for e tem vida própria, como nos mostra o universo de Nelson e Jorge que, em mundos diferentes, criaram um saber único, revigorando e inspirando os que buscam o caminho da cultura.

Sabiamente diz o notável poeta, Ferreira Goulart “a arte existe porque a vida não basta”, máxima que nos ajuda a trazer o sentimento de um Nelson Rodrigues e um Jorge Amado próximo de nós, absolutos e vivíssimos.

                                                         Por Rogéria Gomes
                                                                        Jornalista e Escritora
                                                             grandesdamas@hotmail.com


Notas:

 1 - Este artigo foi publicado no jornal A Tarde em 08/09/2012.
 2 - Autor da foto de Rogéria Gomes: fotógrafo Marcelo Rissato.

5 de setembro de 2012

Prêmio de Literatura – Literarte 2012 – Petrópolis.

Cabo Frio, 30 de julho de 2012. 


Prezado(a) Sr(a). MORGANA GAZEL, 



É com grande satisfação e júbilo que informamos que após seu nome ser indicado por nossa diretoria, ser avaliado por criteriosa análise e aprovado por nossa Comissão de Conselheiros, vossa senhoria foi aprovado(a), por unanimidade, para receber o Troféu: “Prêmio de Literatura – Literarte 2012”, na categoria Criatividade e Originalidade na Obra, com a obra Poema Mundo.   

O Prêmio é uma distinção feita no âmbito da literatura para escritores, instituições e obras produzidas, sendo comprovadamente o mais magnífico resultado dentre os avaliados. São trabalhos de excelência nas diversas categorias que se destacam em qualidade e importância no cenário regional, nacional e internacional durante o ano anterior. Solicitamos apreciar o release do Prêmio em correspondência anexa. 

A Cerimônia de Premiação será realizada no magnífico Palácio de Cristal, na histórica cidade imperial de Petrópolis, no dia 14 de setembro de 2012, sob total cobertura jornalística da mídia escrita e televisionada, com a presença de diversas autoridades do mundo cultural. (...)

OBRA PREMIADA (clique na foto para ampliá-la):





15 de julho de 2012

Sonhos de Fred, o protagonista do Enseada do Segredo - com interpretação


Sonho I:

Adiante, num trecho mais isolado, deitou-se na areia morna e, de olhos fechados, ficou a ouvir o vai-e-vem das ondas; este som repetia-se cada vez mais distante. De repente, viu um saveiro a deslizar, suavemente, sobre as águas e distinguiu algo muito curioso: no lugar do mastro, havia uma cruz em que um homem, de pé, se apoiava com uma das mãos. Quando o saveiro parou, Fred ficou atônito; apesar de muito mais velho, o homem era ele próprio. O estranho Fred ficou a olhá-lo fixamente... e o Fred que sonhava acordou, assustado, o coração batucando, loucamente, em seu peito. “Ora, foi apenas um sonho!”, pensou, tentando acalmar-se, mas não conseguiria esquecer esta cena por um bom tempo.

Interpretação: 
Trechos importantes: (1) apesar de muito mais velho, o homem era ele próprio; (2) havia uma cruz...; (3) o saveiro a deslizar sobre as águas; (4) O estranho Fred ficou a olhá-lo fixamente; (5) o Fred que sonhava acordou, assustado, o coração batucando, loucamente, em seu peito. Há aí a indicação de um personagem do inconsciente (mar) de Fred. E não está tão inacessível, pois que navega sobre... na superfície. Como a aparência física é a mesma, pode-se pensar ou na dimensão masculina de Fred, assumindo mais idade,  ou em alguém do seu sangue, a quem ele está ligado por fortes laços emocionais (5). Um personagem desejado e temido, que o olha fixamente e o faz acordar assustado.  É possível então que se trate do pai. Fred temeria conhecer o pai? E o que significaria a cruz? A história de Fred responde.



Sonho II:

Ao chegar a sua casa, jogou-se na cama e adormeceu com a roupa da festa. Um sono pesado levou-o, precipitadamente, a um estranho lugar: era uma chapada. Fred estava sozinho e precisava achar alguma coisa que ele desconhecia. Seguiu por trilhas e atravessou riachos. De repente, não era ele, era Wart. Havia um homem ajoelhado a seus pés. Wart gritou: “Não, não faça isso! Você é meu pai!”. Em seguida, Wart segurava uma espada e gritava: “Maldita espada! Não quero essa espada!”. Não era Wart quem gritava, era Fred. Não era Fred, era Wart. As imagens confundiam-se: Fred e Wart. Wart, novamente, gritou “Nããão!” e atirou a espada para o alto. A espada transformou-se numa cruz e subiu, e rolava enquanto subia; ora uma cruz, ora uma espada. Na terra, outro grito de Wart.
Fred acordou; sua roupa molhada de suor e seu coração acelerado. Tentou acalmar-se, dizendo a si mesmo que apenas sonhara com um trecho da lenda do rei Artur. Havia poucos dias, acabara de ler o primeiro livro da série. Foi só isso, ele não deveria preocupar-se.

Interpretação:
Trechos importantes: (1) Fred estava sozinho e precisava achar alguma coisa que ele desconhecia; (2) Wart segurava uma espada e gritava: “Maldita espada! Não quero essa espada!”; (3) Não era Wart quem gritava, era Fred; (4) A espada transformou-se numa cruz e subiu; (5) Na terra, outro grito de Wart. Neste sonho, o tema “pai” está explícito. No romance de T. H. White, Wart renega o poder (espada) para não perder a ilusão de que tinha um pai e encarar a verdade de que é órfão. E “o pai abandonou-o”, assim Fred interpretou ao ler o livro. Fred identifica-se com Wart (3), portanto há uma ilusão a perder, uma imensa dor a sentir. Novamente aparece a cruz, e ela sobe (4), mostrando-se inalcançável como o pai de Fred. Por isso, Fred grita através de Wart (5). O sonho, então, fala do anseio de Fred pelo pai. Por que tanto anseio? E por que a cruz repetindo-se. Ao ler a história de Fred fique atento a isso.
      
Sonho III:
REVELANDO-SE AO MUNDO, Fred pagaria o tributo que devia aos deuses e viveria em paz. Isso, falava-lhe um homem com aspecto de personagem lendário, sentado num grande e antigo salão. Quando a voz tonitruante do homem silenciou, Fred acordou, sobressaltado.

Interpretação:
Fred sentia-se muito mal em relação aos amigos por não lhes ter contado seu segredo, era como se estivesse ocultando sua verdadeira face. Na verdade este mal-estar originava-se nas profundezas do seu íntimo, onde, às escondidas da consciência, configurou-se um drama em que ele transgredia uma lei dos deuses (pais do mundo). Fred apegara-se a esta lei, extremamente rígida quanto à conduta moral, para condenar o pai e assim se proteger da dor por não ter sido escolhido por este pai. Então, uma parte sua, também inacessível à consciência e que compreende todo o drama, diz o que ele tem de fazer para se redimir: deve revelar-se. Note que esta remissão é uma necessidade dele, e os deuses são arquétipos, deuses psíquicos.

Sonho IV:
(...) Novamente, despedia-se a fim de se atirar numa aventura inevitável e, dessa vez, mais temida (...) não se sentia preparado. Não teve tempo, porém, de atentar em seu sentimento; foi assaltado por um forte cansaço e sonolência que o fizeram dormir de imediato. Mas acordou em seguida. Em sua frente, havia um garoto pequeno, de olhos claros, a lhe sorrir. Fred tentou tocá-lo; o garoto desvaneceu-se e surgiu adiante. Mais uma vez, Fred aproximou-se e estendeu a mão para o tocar; o garoto voltou a sumir e reapareceu muito mais longe. A criança parecia estar sendo levada pelo vento ou coisa semelhante. Fred começou a correr para alcançá-la, no entanto acordou de verdade, atordoado, com os olhos abertos no escuro da noite fria.

Sugestão: Interprete, é fácil. Basta ler o livro.
Nota: Trechos do romance Enseada do Segredo.


Morgana Gazel, psicóloga e escritora.
Autora de romances, poemas e contos.


3 de julho de 2012

Criação literária, publicado no jornal A Tarde, sábado, 30/06/2012



Se você pretende escrever histórias inventadas, dê um tempo a sua mente para que ela crie as condições adequadas à nova tarefa. Não tenha pressa, aja como se tivesse feito um convite e aguarde com paciência o visitante.  Enquanto isso, observe, com atenção, ambientes, paisagens e, de todas as pessoas que puder, seus gestos, tons de voz e expressões corporais. Tente imaginar o que pensam e sentem. Lembre-se: o mundo é o laboratório do escritor. Antes de dormir, visualize-se escrevendo.
Procedendo dessa forma, dia após dia, é possível que uma boa ideia se apresente como tema. Esta ideia pode surgir como se viesse do nada ou em decorrência da observação de fatos reais, tenhamos ou não participado deles. O enredo da história também ocorre de maneiras diversas, completo ou em partes. Quando se revela, está na hora de começar a escrever, as cenas vão-se apresentando devagar.
Assim fiz, a partir de certo momento em que fui assaltada por um desejo insuperável de escrever ficção. Durante o tempo de espera, cursos, estudos, muitas leituras e o olhar de aprendiz que jamais se apartou de mim. O tema e o enredo do meu primeiro livro chegaram repentinamente e no mesmo instante. Acordei com os dois em minha mente.
Ao longo da escrita, tive sonhos que eram verdadeiras aulas de literatura; informações acerca da elaboração do texto e da caracterização dos personagens. Destes últimos, destacou-se uma narradora pronta e exigente. Logo percebi que não deveria tentar mudar coisa alguma que ela sussurrasse em minha mente, caso contrário, a criatura prontamente emudecia. Disputou ferozmente a escrita deste livro com minha personalidade normal, a que vivencia o dia-a-dia, tem filhos, netos, amigos, exerce a profissão de psicóloga, enfim a que “sou eu”. Algumas vezes, eu tentava alterar o que parecia em desacordo com meus conhecimentos da psicologia humana. Sua resposta era o silêncio. Resolvi então aceitar tudo o que viesse dela, passei a usar a lógica apenas quando dava forma e corrigia o texto ou na adequação da história ao ambiente temporal, geográfico e social. No inicio, para manter tal conduta, antes de começar a escrever, dizia a mim mesma: “Agora sou Morgana Gazel”, nome com o qual batizei esta narradora.
Levando em conta o que ocorre comigo no ato de escrever romances, fico a imaginar que, em qualquer atividade criadora, acessamos uma dimensão misteriosa, onde cenas, imagens, sons e concepções pululam à semelhança do mundo das ideias de Platão. Gosto de pensar que nesta dimensão o Grande Artista toca sua música e a nós, sujeitos ao cogito cartesiano, cabe apenas dançar. Felizes daqueles que são capazes de soltar o corpo de modo a se deixar levar pelo ritmo e pela melodia.

Morgana Gazel
Autora de romances, poemas e contos.


Nota: Este artigo, já publicado neste blog, foi adaptado para o jornal. 

29 de junho de 2012

UM OLHAR SOBRE O ARTIGO DE ROGÉRIA GOMES

As conclusões a que chegou a cúpula Rio+20 –


“Hoje afirmamos que, além de confirmar nossa análise, ocorreram retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global", diz um trecho da declaração.
À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema econômico-financeiro” –

a meu ver, representam a má vontade do capitalismo selvagem em preservar o meio ambiente, isto porque o preço é alto demais para o cancerígeno poder econômico tão destruidor quanto a bomba nuclear, que nada mais é do que a prepotência desmedida dos que se acham donos do mundo. Há uma certeza: serão carcomidos pela terra como um excluído qualquer. Mas é opção, o que comprova Rogéria Gomes em seu artigo “Palavras de Ordem: Sustentabilidade”, tão oportuno para uma reflexão profunda sobre o que será da Humanidade daqui a poucos anos, pois com o desmatamento exacerbado, com a velocidade com que os países que  se crêem “proprietários  do Planeta Terra” estão construindo as “apavorantes bombas atômicas” num intuito de amedrontar outros mais ou menos poderosos que eles, resultará em uma destruição da qual não sobrará viva alma para contar a história, tendo em vista que restarão apenas os seres inanimados. É triste termos chegado no século XXI com uma minoria humana tão poderosa, tão sedenta de poder e fama, a ponto de provocar a destruição total da espécie para não reduzir a desenfreada carreira pelo ouro. E nós, tristes mortais, que escolhemos os dirigentes para guiarem a nação e estes repetem a atitude de Pôncio Pilatos, lavando as mãos, ficando sobre muros e pagando para ver “a banda passar”.

João Pessoa, 27 de junho de 2012.

Marinalva Freire da Silva. Professora universitária, delegada de defesa dos direitos da pessoa humana, escritora e membro da UBE-PB - Paraíba.

21 de junho de 2012

Rogéria Gomes fala




Palavra de Ordem: Sustentabilidade

Sabemos que somos a resultante de nossas escolhas, individuais e coletivas.
Bate a nossa porta o mega evento que coloca na ordem dia o futuro do planeta, pensar sobre mundo que desejamos para nós e as futuras gerações. Iniciativa louvável e necessária. A Rio+20 é o assunto que toma as esquinas, a intelectualidade, os estudantes, os políticos, enfim toda gente, cônscios ou não do que acontece.
Tudo em exagero é prejudicial a qualquer termo, com o planeta não seria diferente. Hoje mais do que nunca sabemos que os recursos vitais são finitos e temos levado o planeta à exaustão. Das ações mínimas às complexas.
Algumas mudanças estão sendo tomadas, uma nova consciência parece despertar no senso comum coletivo, no entanto, perto dos prejuízos que sofre o planeta, precisamos acelerar este processo.  A Rio+20 sem dúvida será um grande palco para essas discussões, porém parece-me que ainda falta algo a mais. Não se muda o coletivo sem o individual.
Como disse em entrevista ao jornal O Globo, a ex- ministra Marina Silva, “o desenvolvimento sustentável não é uma maneira de fazer e sim de ser”. Concordo plenamente e acrescento que este ‘ser’ engloba atitudes que envolvem a todos. É preciso agir em conjunto, é hora de unir o pensamento às práticas políticas, culturais, sociais, de toda ordem em prol de um único sentido: cuidar do planeta. Isso inclui um novo modo de viver, a partir desta consciência que ora se tenta despertar. Esta é uma medida que envolve a todos nós, independente de idade, sexo, ou classe social, nos iguala, tal como somos: humanos.
A exemplo de eventos anteriores como a Eco-92, tratou-se muito e realizou-se o oposto. Inquieta-me esta possibilidade outra vez. A Rio+20 talvez seja a nossa chance de sobrevivência concreta, partindo para a mudança, a transformação, a ação.
Há noticias do documento final do encontro chegar a seis capítulos, porém adornados de mais de 835 colchetes que significam pontos em aberto, sem conclusão, em pendência.
O planeta nos dá sinais sistematicamente, não vê quem não quer, alias está gritando: a estimativa de aumento da temperatura será de até 6 graus Celsius em média ao final deste século. Que efeitos desastrosos, que preço alto!
É dever de cada um fazer sua parte, não se pode mais recuar, nem se ter a omissão por opção. Neste ponto a mídia tem um papel importante, entrar em campo ajudando a disseminar a informação, clarear para todos, sem distinção. Pensar sobre o assunto é com certeza fundamental, mas informar acessivelmente é urgente.
A seara é de todos. É preciso agir rápido, se queremos prosseguir a deliciosa e fascinante aventura de viver.

Rogéria Gomes é jornalista e escritora
grandesdamas@hotmail.com
www.infoconews.com.br

20 de junho de 2012

Comentários sobre o Enseada do Segredo, 1ª edição, recuperados de site no Recanto das Letras


21/11/2009 11:10 - Antônio de Almeida Cruz:
No melhor sentido do termo, v. é uma autêntica MORGANA!!! Não me arvoro a ser ou pretender ser um crítico literário qualificado. Todavia, opino, com muito prazer sobre seu romance "Enseada do Segredo". Que beleza de livro! Limpo, elevado, sutil, insinua os fatos e acontecências sem usar palavras. Além disso, não esconde o senso poético que possui. Dá para entender que v. viveu bastante em Londres e na Espanha... PARABENS.

27/04/2009 09:51 - Patricia Lins:
Morgana parabéns! Por toda lição de vida que venho aprendendo com você(s). Tudo começou com esse livro ma-ra-vi-lho-so! "Enseada do Segredo" é realmente instigante e, acabou me apresentando um MAR de conhecimento, através de sua escritora e de sua narradora, me possibilitando MERGULHAR em mim, em minha vida e na vida dos meus. Além de ter sido tocada pela história (o romance em si), minhas emoções foram tocadas, eu fui tocada. E conhecer Morgana e ter contato com ela fez toda diferença. O livro é vivo, assim como cada um de nós. Não posso entrar muito em detalhes, sobre o que cada símbolo, cada signo, cada metáfora, cada emoção descrita (e muito bem descritas), porque tirarei o prazer de cada um ver ao seu modo. "Enseada" é bem escrito, bem amarrado. Há o romance e em paralelo (e ambos, com real importância, significado e peso) o caráter psicológico. As condições humanas, medos, anseios, limitações... enfim, os conflitos com que nos debatemos no dia-a-dia, para, assim que tudo passar, dizermos: "fiz tempestade num copo d´água"... apesar de muita dor, muitas consequências de inconsequências, podem doer e mudar a vida de uma pessoa; pode destruir essa vida, mas pode reconstruir, desde que haja vida e busca. Me senti crescendo e amadurecendo com Fred e os outros personagens. Me senti complexa e simples, como eles e me vi humana, como eles... ou, os vi humanos, como eu! Parabéns pela criatividade, pela coragem, pela determinação e concretização do ideal de levar uma mensagem tão bonita, real e possível, para cada um de nós LEITOR. Parabéns, pela inteligência e sensibilidade! Parabéns por suas experiências/lições de sua vida, que são tão bem retratadas (apesar de mensagens discretas) que são passadas. Olha, "no cadinho da vida, reações desencadeavam-se à revelia de quem, irrefletidamente, lhes forneceu as substâncias" e não devemos ficar parados, nem agir em desespero. Vi, nessa frase, uma lição fantástica e deixo-a aqui registrada. E o conselho subliminar de que não há fim, e, sim, OPORTUNIDADE de recomeçar (ou começar...), além de positivo, é REAL. E realidade é isso, estar dentro do "cadinho da vida” e exposto a constantes mudanças, erros, acertos e, se ainda vida tiver, RECOMEÇO! Parabéns, para cada um que pôde ler e apreciar essa leitura, mudando algo em si. Pat Lins (publicitária, radialista, especialista em relações pública, mãe, mulher, esposa e HUMANA! - não necessariamente, nessa ordem – risos).

25/04/2009 17:28 - Mariana Carvalho Gouveia:
Gostei muito do seu livro, ele tem cadência e algo muito importante num romance que é despertar o interesse de saber o que vai acontecer a seguir. Parabéns pela estória e pelo site que está maravilhoso! Sucesso na sua caminhada!

12/04/2009 22:10 - Sandra Behrens:
Esse livro tem tudo pra ser um sucesso. A leitura é simples e cativante. O leitor se transporta e sente com emoção a trajetória de Fred. É um livro que vale a pena ter na sua biblioteca, presentear um amigo e ler mais de uma vez.

09/03/2009 17:50 - Elda Rizzo de Oliveira:
"Enseada do Segredo” é um livro original que trata da condição humana. A história ocultada da vida de Fred vai gerando uma realidade, por meio de ressonâncias, de indícios, de pequenos lapsos e sinais que acaba se revelando como uma realidade imaginal. Realidade verdadeira e determinante para sustentar a trajetória da sua vida, que vai sendo engendrada, enquanto seu ser vai sendo confrontado, acuado e transformado. O que parece ser a história do Outro, cria também os liames na história de cada um de nós. Bem escrito, claro, criativo, o livro suscita no leitor o desejo de realizar junto essa viagem. (Elda Rizzo de Oliveira, antropóloga).

09/02/2009 13:39 - André Cerqueira: 
Olá, Morgana Gazel! Li o seu livro e fiquei encantado com o conteúdo e a abordagem. Aprendi muito sobre mim ao perceber o cotidiano e o drama vivido pelo personagem Fred. Sua obra é profunda - o que favorece a olharmos para dentro de nós mesmos e ao nosso redor - transitando bem distante da superficialidade clichê proposta pelos autores de livros de auto-ajuda. O ser humano, além de ser fruto de sua memória, de seu imaginário, que no caso de Fred foi forjado a partir de uma mentira familiar, é fruto, também, de uma realidade objetiva e concreta que, no caso, era a situação gerada pelo regime militar. Parabéns!!!

08/02/2009 21:32 - Carlos Alberto Barreto:
Livro empolgante, tanto na etapa brasileira quanto na londrina. A questão do preconceito social e um romantismo inocente como realmente só se via nos anos sessenta, época de repressão e ditadura, que ela também levemente cita. Morgana deixa transparecer que a saga amorosa de Fred e Jéssica não acabou. Existem ainda muitos segredos ancorados nesta Enseada. E MG sabe muito bem como colocá-los para navegar!... (Carlos Alberto Barreto / poeta-editor)

02/02/2009 21:03 - Luciano Fogaça de Souza:
Pra começar, é preciso muita coragem e otimismo para se lançar em um projeto como o "Enseada...", em um pais que é notadamente refratário à leitura, sobretudo de autores novos e desconhecidos! Morgana tem a coragem e o idealismo teimoso daqueles que fazem a historia! “Bravo!!!! Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?" Esses versos de Drumond nos mostram maravilhosamente o caminho e se aplicam à perfeição ao "Enseada...". Obrigado Morgana!

02/02/2009 17:38 - Sílvia Maria Rocha Nuno:
O livro é fantástico, sua leitura se torna muito agradável e excitante, recheada de suspense até chegar num final surpreendente. Deixa-nos uma mensagem maravilhosa sobre as limitações a que nos deparamos quando os desafios se apresentam nas nossas vidas. E também assinala para a necessidade do perdão. Muito belo!!!! Parabéns, Morgana.

16 de junho de 2012

O que a mãe escondia?

     Ao passar pela sala, ouviu vozes que vinham da cozinha, alguém parecia chorar. Ao se aproximar da porta ele ficou pasmo, era sua mãe quem chorava! 
     – Sempre achei que a senhora devia se casar, em vez de acalentar essa esperança – tia Zezé consolava-a.
     Fred entrou, as duas paralisaram-se.
     – O que aconteceu?
     Gilda olhou-o emudecida, Fred esperou, em seu rosto via-se aflição.
     – Foi um problema na escola. Não se preocupe – ela respondeu após instantes de grande tensão.     
     – Por que tia Zezé estava dizendo que você devia se casar?
     – Porque ela acha que, se eu tivesse me casado, não dependeria da profissão – explicou com firmeza, contudo seu olhar evitou o de Fred.
     Um silêncio constrangedor abateu-se sobre eles. Gilda assoou num lencinho de cambraia. Fred sentou-se defronte dela sem saber o que dizer. 
     Tia Zezé levantou-se. 
     – Esperem aí que eu vou passar um café.
     Fred não a escutou. Tentava compreender as imagens que se chocavam dentro dele: a mãe chorando, a mãe assustada, a mãe fingindo. A expressão das duas primeiras incomodava-o, a da fingida incomodava-o de modo diferente e muito mais. Aquela o deixava aflito, preocupado, esta o confundia e revelava que Gilda estava escondendo alguma coisa. "Eu sinto que sei o que é, mas esqueci... não completamente, ficou esse mal-estar.” 


Nota: Trecho do romance Enseada do Segredo. 

6 de junho de 2012

O que escondemos por trás de uma mentira, algum dia, revela-se (publicado em 10/06/2012, no jornal A Tarde, SSA/BA, caderno Populares, pag. 6).


Há um ditado popular que diz: mentiras têm pernas curtas. Podemos então associar as pernas curtas a duas afirmações seguintes: Primeira, o autor da mentira irrefletidamente deixa pistas que podem despertar a atenção de quem é vítima dela. Segunda, as pessoas comunicam-se sem perceber que o fazem.

De acordo com observações no âmbito da psicologia, quando ocorre uma mentira entre elementos ligados por laços íntimos, tais como membros de uma mesma família, um sujeito sempre sabe aquilo que escondem dele, apesar de ignorar que sabe, dizendo de outra forma, de não perceber que sabe. Justamente por isso, muitas vezes sente um mal-estar inexplicável e pode acontecer que, a um átimo de lhe contarem a verdade, ele se antecipe e a declare por inteiro ou em partes. Antes disso, porém, a verdade ignorada tentará manifestar-se através de sonhos ou devaneios, de atitudes excessivamente agressivas ou apáticas, de reações exageradas diante de questões corriqueiras, etc. São sinais de um saber que jaz nos escuros porões da mente. 

Um exemplo é o caso de pais que escondem do filho que ele é adotivo. Estão contribuindo para o surgimento de condutas semelhantes às manifestações referidas, geralmente provocadoras de conflitos familiares. Como a contradição entre o saber racional e o saber ignorado pela razão é a causa de tais problemas, nenhum aconselhamento, remédio ou terapia funciona enquanto durar a mentira. É crucial, portanto, que a verdade apareça, ainda que não de forma tão fantástica como a citada acima. 

A consequência imediata dessa maneira de funcionamento da mente é que podemos descobrir coisas em nosso íntimo, das quais não nos damos conta normalmente. Para fazer desta possibilidade um fato, basta atentarmos nos "sinais" externos e internos que se mostram a qualquer hora. O difícil é interpretar esta linguagem tão estranha à maioria de nós. No entanto, quanto mais aprendermos a fazê-lo, mais capazes seremos de gerir nossa vida de modo satisfatório. Logo vale a pena investir nisso.

Morgana Gazel

Nota: O romance Enseada do Segredo desenvolve-se em torno de uma mentira familiar. 

11 de maio de 2012

Resposta Final


Comecei com a palavra
Insignificante
E me pus a cortar pedaços,
um a um,
desnudando signos,
casulos de mensagens.
Do primeiro corte, restou:
Significante
O que esta palavra diria a mim,
alma de muitos mistérios
de muitos silêncios
repleta de antigos baús?
Alma que resiste a perguntas-faróis,
espadas a decepar
pedaços-subterfúgios, disfarces.
Cai mais um que insistia em esconder:
Cante
É uma ordem? A que devo cantar?
No final saberia
No final do tempo das ilusões,
dos medos.
Quem dera agora!
Cuidado, não se apresse,
disse a mim mesma.
Mas, indômita, a espada desceu:
Ante
Cessaram-se perguntas.
Vislumbrei lá no fundo:
Ante a morte, nada há a temer.

Morgana Gazel



3 de maio de 2012

O destino de cada um - publicado, em 03/05/2012, no jornal A Tarde


Segundo James Hillman, psicólogo junguiano, assim como uma semente de carvalho está fadada a se tornar uma árvore, trazemos um destino ou uma vocação que devemos desenvolver. Costumo chamar essa vocação de “o desejo mais intenso que acalentamos no recôndito de nossas almas” e acrescento: Se a semente cair num terreno árido, pode não chegar à plenitude do seu destino, quiçá jamais alcançá-lo. Corremos o mesmo risco e talvez nem sequer consigamos reconhecer esse desejo mais exigente, caso sejamos submetidos a uma educação ou condições sociais alienantes. No entanto, apenas quando buscamos realizá-lo, vislumbramos o real significado da vida e os demais desejos ficam num plano secundário.

A descoberta do destino pode ocorrer com qualquer um, o mais difícil talvez seja arriscar-se a segui-lo. Vislumbrei-o aos cinquenta e oito anos: escrever histórias fictícias que tratem de dramas humanos reais. Sabia que não seria fácil, com esta idade, a maioria pensa em se aposentar! Apesar disso, decidi arriscar. 

Como jamais havia escrito ficção, minha experiência era com textos acadêmicos, fiquei aguardando o que chamei “inspiração divina”. Não tinha muita esperança em ser atendida, pois minha relação com Deus sempre foi meio problemática; nunca o aceitei como dizem que Ele é. Por isso recorri ao Deus que eu própria inventei, naturalmente à minha semelhança, em vez de recorrer Àquele inventado pelos pregadores religiosos, à semelhança deles. Enquanto aguardava a dita inspiração, lia romances com olhos de aprendiz, comprei uma nova gramática, um livro sobre comunicação, novo dicionário, tomei um curso relâmpago de escrita literária, comecei a descrever ambientes e esbocei um conto.


Dois meses passaram-se e nada aconteceu até que um dia, ao me dirigir a um restaurante, de lá iria para meu consultório, minha mente foi invadida por um pensamento que se repetia sem parar: “Volte para casa”. Não poderia voltar, tinha um compromisso de trabalho. Mas, no restaurante, o pensamento insistiu tanto que resolvi barganhar: “Tudo bem, volto se todos os clientes estiverem tranquilos.” Telefonei. Para minha surpresa, nenhum deles fazia questão de minha companhia naquela tarde. Voltei. Ao chegar a casa, senti um sono tão danado que me joguei na cama sem trocar de roupa. Acordei à noite com o enredo de uma história, o perfil psicológico dos personagens principais, seus nomes e os títulos dos capítulos iniciais. 

Assim comecei a gestar o primeiro romance e tenho colhido flores e espinhos ao longo dessa caminhada. Agora estou convencida de que este é meu destino. Espero que logo encontre o seu, se isso ainda não aconteceu. 

Morgana Gazel
Autora do livro Enseada do Segredo


Nota 1: Esta é uma versão do  artigo "Um destino: A floresta literária", adaptada para o jornal.

Nota 2: Agora, 2013, a  3ª edição do romance ENSEADA DO SEGREDO e a 1ª edição do LIBERDADE NEGADA, ambos de minha autoria, estão sendo  publicadas pela COGITO EDITORA.

6 de abril de 2012



Deus, onde te escondes?
Quanto busco um sinal de ti,
tua luz, tua palavra, tua presença.
Mas ouço apenas um sepulcral silêncio.
Seria tua morte ou tua indiferença?
Ou simplesmente foges de mim...
ou de tuas promessas?

Comigo um dia estiveste.
Indicaste-me o caminho a seguir.
Acaso pensas que não te reconheci?
Ando a buscar-te em pássaros e insetos,
crianças, velhos, moribundos, sãos,
na brisa, nas tempestades...

Jamais desistirei de ti.
Apresenta-te. Urge teu serviço.
Afasta ao menos rochedos impenetráveis,
árduos obstáculos, na estrada em que trilho.
É tua parte; de ti, basta um sopro, um gesto.
De mim, força dantesca seria exigida.
Ou planejas uma tal força
em mim?

Enlouquecestes?
Seria esta uma criação demoníaca.
Num comum mortal, o poder de Alighieri!?
Chega de criar! O mundo só precisa de reparos.
Também não te quero em mim... explodiria.
Quero-me em ti, dependendo de ti,
de tua sabedoria.

Apresenta-te, pois, e faze tua parte.

Morgana Gazel


(Esta poesia foi publicada pela CBJE, entre as melhores de 2009)

1 de abril de 2012

Criação Literária



Ao longo da elaboração do romance Enseada do Segredo, tive sonhos que eram verdadeiras aulas de criação literária e percebi que não deveria tentar mudar coisa alguma que a narradora que existe em mim trazia a minha mente. Se o fizesse, ela prontamente se escondia, e eu nada mais conseguia escrever. Essa tal narradora disputou ferozmente a escrita deste livro com minha personalidade normal, a que vivencia o dia a dia, tem filhos, netos, amigos, exerce a profissão de psicóloga, enfim a que “sou eu”. Ela, a narradora, apresentava as cenas, eu tentava alterar o que parecia em desacordo com o que conheço da psicologia humana, ela emudecia. Então resolvi escrever tudo o que viesse dessa subpersonalidade e usar minha lógica apenas na escolha do formato e na correção do texto. Para manter essa conduta, antes de começar a escrever eu dizia a mim mesma: “agora sou Morgana Gazel”, nome com o qual resolvi denominá-la.

Levando em conta essa dinâmica que ocorre comigo ao escrever ficção, fico a imaginar que em qualquer atividade criadora acessamos uma dimensão misteriosa, onde cenas, imagens, sons, concepções, pululam à semelhança do mundo das ideias de Platão. Gosto de pensar que nesta dimensão o Grande Artista toca sua música e a nós, sujeitos ao cogito cartesiano, cabe apenas dançar. Felizes daqueles que são capazes de soltar o corpo de modo a se deixar levar pelo ritmo e pela melodia.

Morgana Gazel



Nota: O "Enseada do Segredo" pode ser adquirido nas livrarias Saraiva e Cultura. Para compra online, clique numa das capas do Enseada, na coluna à direita.  

21 de março de 2012

Um destino: A Floresta Literária


Concordo com James Hillman[i] quando diz que, assim como uma semente de carvalho está fadada a se tornar uma árvore, trazemos um destino instigado por uma vocação que devemos desenvolver. Costumo chamar essa vocação de “o desejo mais intenso que acalentamos no recôndito de nossas almas”. 

Mas, se a semente cair num terreno árido, pode não chegar à plenitude do seu destino, quiçá jamais alcançá-lo. Corremos o mesmo risco e talvez nem sequer consigamos reconhecer nosso desejo maior e mais exigente, caso sejamos submetidos a uma educação ou condições sociais alienantes. No entanto, apenas quando buscamos realizá-lo, vislumbramos o real significado da vida e os demais desejos ficam num plano secundário.

Esse fenômeno ocorre comigo desde que me conscientizei de que meu destino ou desejo mais ardente é escrever histórias fictícias que tratem de dramas humanos reais.

A partir de então, adentrei na floresta literária, procurando desvendar seus mistérios e sua arte. Não quero dar a impressão de que esta viagem seja como um passeio a Disney. Pelo contrário, é importante mostrar que temos de enfrentar muitos obstáculos, creio que necessários à aprendizagem. No meu caso, inicialmente fiquei a esperar uma “inspiração divina”, pois jamais escrevera ficção, minha experiência era com textos acadêmicos. No entanto não tinha muita esperança em ser atendida porque minha relação com Deus sempre foi meio problemática; não o aceito como dizem que Ele é. Por isso recorri ao Deus que eu própria inventei, naturalmente à minha semelhança, em vez de recorrer Àquele inventado pelos pregadores religiosos, à semelhança deles. Santo Deus, o meu, já me afastei do que me incitou a escrever esta nota! Voltando ao que comecei a contar, enquanto esperava a dita inspiração, lia romances com olhos de aprendiz, comprei uma nova gramática, um livro sobre comunicação, novo dicionário, tomei um curso relâmpago de escrita literária, comecei a descrever ambientes e esbocei um conto. 

Dois meses passaram e nada aconteceu até que um dia, ao me dirigir a um restaurante, de lá iria para meu consultório, minha mente foi invadida por um pensamento que se repetia sem parar: “Volte para casa”. Claro que não voltei, isto é, não voltei de imediato, pois sou uma pessoa responsável! No restaurante, o pensamento insistiu tanto que resolvi barganhar: “Tudo bem, volto se todos os clientes estiverem absolutamente tranquilos.” Telefonei e, para minha surpresa, nenhum deles fazia questão de minha companhia naquela tarde. Voltei. Ao chegar a casa, senti um sono tão danado que me joguei na cama sem trocar de roupa. Acordei à noite com o enredo de uma história, o perfil psicológico dos personagens principais, seus nomes e os títulos dos capítulos iniciais. 

Assim nasceu meu primeiro romance, o Enseada do Segredo. O segundo, preste a ser enviado a quem tem o destino de publicar, e o terceiro, ainda um monte de rabiscos em pedaços papel guardados, vieram a mim de forma menos inusitada. Quanto mais me embrenho na floresta literária, torna-se mais difícil sair. Acabei de organizar um livro de poesias com as flores e os espinhos colhidos ao longo dessa caminhada. Logo, estou convencida de que Hillman tem razão. 

Morgana Gazel

[i] Psicóloo Junguiano em O Código do Ser



11 de março de 2012

“O poder de transformação da literatura” - publicado no jornal A TARDE, em 25/03 e 01/04 de 2012, com o título "Literatura e Subjetividade"



O poder de transformação da literatura tem antecedentes históricos. Há muitos anos a psicologia se interessa por esse tema. Uma psicóloga junguiana, após vinte anos de pesquisa, chegou à conclusão de que os mitos, as lendas folclóricas e os contos de fadas podem afetar positivamente a mulher. A psicanálise constatou que os contos de fadas exercem efeitos benéficos na psique da criança. Nos contos de fadas tradicionais existem elementos bons e maus que fazem parte da complexa vida humana. Por isso, as crianças se identificam facilmente com os personagens e conseguem elaborar conteúdos que elas não compreendem, mas que provocam conflitos e sofrimentos internos. 

Aproveito para dizer que é uma grande bobagem modificar os contos, de modo que apresentem apenas os aspectos positivos da vida. Fazer isso torna a história bonitinha, porém falsa e, consequentemente, sem nenhum poder de transformação, porque não se pode enganar a psique. Na mente do ser humano há de tudo; o feio, o belo, o amor, o ódio, o medo, a coragem, a falsidade, a sinceridade, etc. 

Durante minha experiência, digamos assim, familiar, pude observar a veracidade do que diz a psicanálise acerca dos contos de fadas. Além disso, descobri que não é qualquer conto que provoca um efeito observável na criança e que, para que esse efeito se dê, é necessário um método. Quem me ensinou um método que se mostrou eficiente foi meu neto, sujeito espontâneo de minha experiência fortuita.

Ele era uma criança medrosa, incapaz de se defender; se outra criança mesmo menor lhe tirasse o brinquedo, ele apenas se queixava e chorava. Nessa época tinha em torno de quatro anos e era completamente dominado pela irmã, um ano mais nova. Quando estávamos juntos, antes de dormir os dois pediam que lhes contasse histórias. Certa noite, contei a história de Chapeuzinho Vermelho, meu neto ficou muito atento e pediu que a repetisse, tive de repeti-la até ele dormir. A partir desse dia, durante alguns anos, mantivemos esse procedimento; eu contava a história de Chapeuzinho até que ele dormisse. Algumas vezes, insistia em que eu cantasse a música de Chapeuzinho e ele cantava a do lobo mau. Notem isso: uma criança incapaz de brigar, de se defender, identificou-se com o lobo mau. Minha mente de psicóloga logo fez uma interpretação, mas isso não importa. O importante é que, após algum tempo, este menino começou a fazer uso da agressividade como toda a criança saudável, aprendeu a se defender e não mais se submetia às ordens da irmã.

Este episódio permitiu que eu observasse na prática que os contos de fadas são de grande valia na infância e que o conto que sensibilizar a criança pode promover a cura de seus conflitos íntimos, contanto que o adulto use o método de repetir enquanto lhe for pedido.

A percepção desse mesmo poder nos romances ocorreu algum tempo depois. Estava aparentemente bem comigo mesma, quando resolvi ler Grande Sertão – Veredas. No final da leitura, senti uma dor tão dilacerante no peito que eu não parava de chorar. Não entendia por que chorava, só chorava. Sem saber o que fazer, peguei o livro e voltei a ler. No final senti novamente a dor embora menos intensa. Segui o método do meu neto e li repetidas vezes; chegava ao final, imediatamente voltava a ler. Parei apenas quando a dor desapareceu completamente.

Haviam-se passado vários meses, quando me surpreendi enfrentando uma situação em que me senti impotente, mas daquela vez não gritei com os responsáveis, como sempre fazia. Pelo contrário, exigi meus direitos educadamente. Compreendi. A repetição da leitura libertara-me do que estava por trás de minha conduta anterior, que viera à tona diante da cena em que “vi” Riobaldo impotente diante de Diadorim já morta. (Riobaldo e Diadorim são personagens do romance Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa). 

Morgana Gazel



Nota: Esta experiência certamente foi o pilar em que me sustentei ao tomar a decisão de escrever histórias fictícias que contribuam para a transformação íntima dos leitores. E assim nasceram os romances ENSEADA DO SEGREDO e LIBERDADE NEGADA. Veja a capa de ambos na coluna à sua direita.   

29 de fevereiro de 2012

O “Enseada do Segredo” reuniu amigos da leitura com os de outras artes.

Incluído na programação do Fala Escritor, cujo valor cultural não mais se discute em Salvador, cidade de muitas cores e talentos, o lançamento do Enseada alcançou um sucesso que excedeu a expectativas várias. Nesse dia, 25/02, pessoas comprimiam-se numa sala que, apesar de aconchegante e solidária, não contava com tantos convidados. 

Houve apresentações imperdíveis, no ambiente poesia e música evolavam-se agradando aos ouvidos atentos. De repente, um grito; era a atriz Kátia Lanto que entrava em cena. O público silenciou e trechos do livro foram lidos com a dramaticidade merecida. 

Depois disso, enquanto o Fala Escritor disponibilizava espaço ao verbo que não aceita calar-se no peito do artista, fora do recinto eu autografava exemplares do Enseada, adquiridos por amantes da leitura, vários deles instigados pelo “segredo”. Foram momentos de conhecimento e encontro, reconhecimento e reencontro, o prazer estampado nos semblantes. 

Vez em quando, minhas mãos interrompiam a assinatura e a escrita de mensagens, para dar lugar a abraços, cumprimentos ou à escuta de quem vê, no escritor, alguém que pode compreender seus anseios de também dar vida às palavras. 

Que sentimentos tão gratificantes permaneçam nos corações dos que compareceram e contaminem aqueles que lhes apertarem as mãos. 

Obrigada a todos
Morgana Gazel