15 de julho de 2012

Sonhos de Fred, o protagonista do Enseada do Segredo - com interpretação


Sonho I:

Adiante, num trecho mais isolado, deitou-se na areia morna e, de olhos fechados, ficou a ouvir o vai-e-vem das ondas; este som repetia-se cada vez mais distante. De repente, viu um saveiro a deslizar, suavemente, sobre as águas e distinguiu algo muito curioso: no lugar do mastro, havia uma cruz em que um homem, de pé, se apoiava com uma das mãos. Quando o saveiro parou, Fred ficou atônito; apesar de muito mais velho, o homem era ele próprio. O estranho Fred ficou a olhá-lo fixamente... e o Fred que sonhava acordou, assustado, o coração batucando, loucamente, em seu peito. “Ora, foi apenas um sonho!”, pensou, tentando acalmar-se, mas não conseguiria esquecer esta cena por um bom tempo.

Interpretação: 
Trechos importantes: (1) apesar de muito mais velho, o homem era ele próprio; (2) havia uma cruz...; (3) o saveiro a deslizar sobre as águas; (4) O estranho Fred ficou a olhá-lo fixamente; (5) o Fred que sonhava acordou, assustado, o coração batucando, loucamente, em seu peito. Há aí a indicação de um personagem do inconsciente (mar) de Fred. E não está tão inacessível, pois que navega sobre... na superfície. Como a aparência física é a mesma, pode-se pensar ou na dimensão masculina de Fred, assumindo mais idade,  ou em alguém do seu sangue, a quem ele está ligado por fortes laços emocionais (5). Um personagem desejado e temido, que o olha fixamente e o faz acordar assustado.  É possível então que se trate do pai. Fred temeria conhecer o pai? E o que significaria a cruz? A história de Fred responde.



Sonho II:

Ao chegar a sua casa, jogou-se na cama e adormeceu com a roupa da festa. Um sono pesado levou-o, precipitadamente, a um estranho lugar: era uma chapada. Fred estava sozinho e precisava achar alguma coisa que ele desconhecia. Seguiu por trilhas e atravessou riachos. De repente, não era ele, era Wart. Havia um homem ajoelhado a seus pés. Wart gritou: “Não, não faça isso! Você é meu pai!”. Em seguida, Wart segurava uma espada e gritava: “Maldita espada! Não quero essa espada!”. Não era Wart quem gritava, era Fred. Não era Fred, era Wart. As imagens confundiam-se: Fred e Wart. Wart, novamente, gritou “Nããão!” e atirou a espada para o alto. A espada transformou-se numa cruz e subiu, e rolava enquanto subia; ora uma cruz, ora uma espada. Na terra, outro grito de Wart.
Fred acordou; sua roupa molhada de suor e seu coração acelerado. Tentou acalmar-se, dizendo a si mesmo que apenas sonhara com um trecho da lenda do rei Artur. Havia poucos dias, acabara de ler o primeiro livro da série. Foi só isso, ele não deveria preocupar-se.

Interpretação:
Trechos importantes: (1) Fred estava sozinho e precisava achar alguma coisa que ele desconhecia; (2) Wart segurava uma espada e gritava: “Maldita espada! Não quero essa espada!”; (3) Não era Wart quem gritava, era Fred; (4) A espada transformou-se numa cruz e subiu; (5) Na terra, outro grito de Wart. Neste sonho, o tema “pai” está explícito. No romance de T. H. White, Wart renega o poder (espada) para não perder a ilusão de que tinha um pai e encarar a verdade de que é órfão. E “o pai abandonou-o”, assim Fred interpretou ao ler o livro. Fred identifica-se com Wart (3), portanto há uma ilusão a perder, uma imensa dor a sentir. Novamente aparece a cruz, e ela sobe (4), mostrando-se inalcançável como o pai de Fred. Por isso, Fred grita através de Wart (5). O sonho, então, fala do anseio de Fred pelo pai. Por que tanto anseio? E por que a cruz repetindo-se. Ao ler a história de Fred fique atento a isso.
      
Sonho III:
REVELANDO-SE AO MUNDO, Fred pagaria o tributo que devia aos deuses e viveria em paz. Isso, falava-lhe um homem com aspecto de personagem lendário, sentado num grande e antigo salão. Quando a voz tonitruante do homem silenciou, Fred acordou, sobressaltado.

Interpretação:
Fred sentia-se muito mal em relação aos amigos por não lhes ter contado seu segredo, era como se estivesse ocultando sua verdadeira face. Na verdade este mal-estar originava-se nas profundezas do seu íntimo, onde, às escondidas da consciência, configurou-se um drama em que ele transgredia uma lei dos deuses (pais do mundo). Fred apegara-se a esta lei, extremamente rígida quanto à conduta moral, para condenar o pai e assim se proteger da dor por não ter sido escolhido por este pai. Então, uma parte sua, também inacessível à consciência e que compreende todo o drama, diz o que ele tem de fazer para se redimir: deve revelar-se. Note que esta remissão é uma necessidade dele, e os deuses são arquétipos, deuses psíquicos.

Sonho IV:
(...) Novamente, despedia-se a fim de se atirar numa aventura inevitável e, dessa vez, mais temida (...) não se sentia preparado. Não teve tempo, porém, de atentar em seu sentimento; foi assaltado por um forte cansaço e sonolência que o fizeram dormir de imediato. Mas acordou em seguida. Em sua frente, havia um garoto pequeno, de olhos claros, a lhe sorrir. Fred tentou tocá-lo; o garoto desvaneceu-se e surgiu adiante. Mais uma vez, Fred aproximou-se e estendeu a mão para o tocar; o garoto voltou a sumir e reapareceu muito mais longe. A criança parecia estar sendo levada pelo vento ou coisa semelhante. Fred começou a correr para alcançá-la, no entanto acordou de verdade, atordoado, com os olhos abertos no escuro da noite fria.

Sugestão: Interprete, é fácil. Basta ler o livro.
Nota: Trechos do romance Enseada do Segredo.


Morgana Gazel, psicóloga e escritora.
Autora de romances, poemas e contos.


3 comentários:

Eliane Accioly disse...

Li e lerei novamente "Sonhos de Fred"; "relerei" é dose, não é?Ando lendo biografias de Lacan e Freud. O que vivo e sinto, suas humanidades.
Morgana querida, viva cada instante, somos mortais.

Beijos, Eliane

Anônimo disse...

Engraçado... Quanto ao primeiro sonho, eu também interpretei desta forma... Mas vou reler o livro, porque gostei das interpretações.
Bjusss

Eliane Accioly disse...

Vou atrás do livro! Encomendo pela Livraria Cultura, eles rastreiam, demora alguns dias mas chega. Estou curiosa!
bjs