18 de novembro de 2011

Século Trinta e Três


Nada de ideias rebuscadas
Nada de tempo gasto
inutilmente.  Desconsideramos
os sentimentos, o ser, o não-ser
o inapreensível, os devaneios.
A humanidade há de esquecer
filósofos, artistas, aqueles
amantes do imponderável.
A deusa Tecnologia
pés, mãos, olhos, corações
ela fabrica.
O corpo alimenta-se de pílulas.
O sexo é livre, on line
em qualquer idade.
Basta desejar.
Se enjoar
muda de internauta.
Casamentos vendidos
em sites, aos milhares.
A História dos Antigos
repousa bem guardada
no cemitério dos esquecidos.
Dos filósofos, avós da humanidade
os civilizados dizem a sorrir:
Coitados, quanta bobagem
crianças com palavras a brincar.
Heráclito?!
Entro, sim, no mesmo rio.
Antes de dois mil
o Brasil descobriu:
“É proibido proibir.”
Sócrates, o inquiridor,
“Conhece-te a ti...”
Parece nunca ter visto
a si mesmo num espelho!
Conhecer mais o quê?
Sabemos tudo da célula
do mundo dentro do átomo
e do que, fora dele, se expande.
O universo é finito ou infinito?
Eis a questão que persiste.
A velhice há muito não existe
os cansados da vida tomam pílulas
e vão servir de adubo em jardim.
O corpo é o templo do prazer
rostos belos, cópias de modelos.
Peles sensíveis a estímulos
oriundos de qualquer parte
do planeta-rede on line.
Eros habita a imagem.
Até casais que moram juntos
na tela vão buscar orgasmos.
Deleitam-nos também as artes
música, cinema, teatro, literatura.
Cito o poema que mais me apraz:
“Ah, o sol!
Raios dourados
perfuram o azul.”
Os romances, os longos,
chegam a dez telas-páginas!
Um trecho do último que li
meu cérebro gravou:
“O herói olha pasmo. Seu pênis
pequeno, encolhido. Firma-se.
Diante da musa. Ela não o vê.
Canta. Enquanto usa o vibrador.”
 Não valorizamos a sintaxe
construímos conceitos isolados.
Nossa mente apreende-os
sem operações complicadas.
Assim o cansaço é tão mínimo
não atrapalha as tarefas diárias.
Falo dos Nobres
não dos Impedidos
executores de atividades
que as máquinas não fazem.
Estes às artes não se dedicam,
atendem felizes nossos caprichos.
À noite recolhem-se em vilas
suas casas idênticas em círculos.
A chave é o código de identidade
sob a pele de quem ali reside.
Eles também usam pílulas!
Não temos doenças d’alma ou stress
dos quais tanto sofriam os Antigos.
Nenhum de nós grita de entusiasmo
nem chora as perdas necessárias.
Não há destino difuso nem metas
a ocupação é determinada
segundo as habilidades.
Só uma coisa é proibida:
A leitura das obras dos Antigos.
Salvo aos bibliotecários
- sou um deles -
e aos analistas das comunidades.
Nosso mundo é mais que perfeito!
Esta lágrima no teclado
veio de um olho irritado.
Vou tomar a pílula de dormir
amanhã estará recuperado.


Morgana Gazel



Um comentário:

Luciano disse...

Olá Morgana.
O poema é super interessante atual e bem contruido. Um tanto angustiante. Evoca alguns pessimistas do sec. xx como H G Wells, Aldous Huxley, e mesmo Ray Bradbury, este  mais melancólico que pessimista. Interessante, também  como a  incerteza diante do futuro nebuloso nos remete sempre ao estado de pior possibilidade. O assunto é vastíssimo. Gostaria de debate-lo pessoalmente um dia. Quem sabe?
Obrigado.
Luciano.