11 de maio de 2012

Resposta Final


Comecei com a palavra
Insignificante
E me pus a cortar pedaços,
um a um,
desnudando signos,
casulos de mensagens.
Do primeiro corte, restou:
Significante
O que esta palavra diria a mim,
alma de muitos mistérios
de muitos silêncios
repleta de antigos baús?
Alma que resiste a perguntas-faróis,
espadas a decepar
pedaços-subterfúgios, disfarces.
Cai mais um que insistia em esconder:
Cante
É uma ordem? A que devo cantar?
No final saberia
No final do tempo das ilusões,
dos medos.
Quem dera agora!
Cuidado, não se apresse,
disse a mim mesma.
Mas, indômita, a espada desceu:
Ante
Cessaram-se perguntas.
Vislumbrei lá no fundo:
Ante a morte, nada há a temer.

Morgana Gazel



3 de maio de 2012

O destino de cada um - publicado, em 03/05/2012, no jornal A Tarde


Segundo James Hillman, psicólogo junguiano, assim como uma semente de carvalho está fadada a se tornar uma árvore, trazemos um destino ou uma vocação que devemos desenvolver. Costumo chamar essa vocação de “o desejo mais intenso que acalentamos no recôndito de nossas almas” e acrescento: Se a semente cair num terreno árido, pode não chegar à plenitude do seu destino, quiçá jamais alcançá-lo. Corremos o mesmo risco e talvez nem sequer consigamos reconhecer esse desejo mais exigente, caso sejamos submetidos a uma educação ou condições sociais alienantes. No entanto, apenas quando buscamos realizá-lo, vislumbramos o real significado da vida e os demais desejos ficam num plano secundário.

A descoberta do destino pode ocorrer com qualquer um, o mais difícil talvez seja arriscar-se a segui-lo. Vislumbrei-o aos cinquenta e oito anos: escrever histórias fictícias que tratem de dramas humanos reais. Sabia que não seria fácil, com esta idade, a maioria pensa em se aposentar! Apesar disso, decidi arriscar. 

Como jamais havia escrito ficção, minha experiência era com textos acadêmicos, fiquei aguardando o que chamei “inspiração divina”. Não tinha muita esperança em ser atendida, pois minha relação com Deus sempre foi meio problemática; nunca o aceitei como dizem que Ele é. Por isso recorri ao Deus que eu própria inventei, naturalmente à minha semelhança, em vez de recorrer Àquele inventado pelos pregadores religiosos, à semelhança deles. Enquanto aguardava a dita inspiração, lia romances com olhos de aprendiz, comprei uma nova gramática, um livro sobre comunicação, novo dicionário, tomei um curso relâmpago de escrita literária, comecei a descrever ambientes e esbocei um conto.


Dois meses passaram-se e nada aconteceu até que um dia, ao me dirigir a um restaurante, de lá iria para meu consultório, minha mente foi invadida por um pensamento que se repetia sem parar: “Volte para casa”. Não poderia voltar, tinha um compromisso de trabalho. Mas, no restaurante, o pensamento insistiu tanto que resolvi barganhar: “Tudo bem, volto se todos os clientes estiverem tranquilos.” Telefonei. Para minha surpresa, nenhum deles fazia questão de minha companhia naquela tarde. Voltei. Ao chegar a casa, senti um sono tão danado que me joguei na cama sem trocar de roupa. Acordei à noite com o enredo de uma história, o perfil psicológico dos personagens principais, seus nomes e os títulos dos capítulos iniciais. 

Assim comecei a gestar o primeiro romance e tenho colhido flores e espinhos ao longo dessa caminhada. Agora estou convencida de que este é meu destino. Espero que logo encontre o seu, se isso ainda não aconteceu. 

Morgana Gazel
Autora do livro Enseada do Segredo


Nota 1: Esta é uma versão do  artigo "Um destino: A floresta literária", adaptada para o jornal.

Nota 2: Agora, 2013, a  3ª edição do romance ENSEADA DO SEGREDO e a 1ª edição do LIBERDADE NEGADA, ambos de minha autoria, estão sendo  publicadas pela COGITO EDITORA.