29 de março de 2013

Escritor, o guardião do idioma


Além de contar uma boa história, seja triste ou hilária, sua trama cheia de mistério ou evidente, tenha ou não conteúdo histórico, cultural, etc., o escritor tem, entre outras, uma importante responsabilidade: cuidar do idioma.

Revendo alguns dos livros que li – D. Casmurro, de Machado de Assis, Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa e Laços de Família, de Clarice Lispector –, constatei, agora com o olhar de escritora, o cuidado que estes autores dispensavam à ortografia, à sintaxe e à dimensão conceitual da escrita. 

No entanto, em algumas obras atuais, observa-se uma espécie de relaxamento dos autores no que se refere a estes aspectos. Por exemplo: inserem vírgulas à vontade e em lugares inconvenientes; fazem uso de relações inadequadas entre orações principais e suas complementares; introduzem pleonasmos, cacofonias e redundâncias sem qualquer objetivo literário. Àqueles de olhar mais apurado, muitos desses erros soam como pedradas. 

Alguns escritores consideram que sua função se restringe a escrever. Mas isso implica em esperar do revisor, se contratado, uma tarefa às vezes impossível: fazer a correção sem alterar a ideia intencionada, a despeito dos erros, mesmo que estes dificultem a compreensão dos trechos nos quais se encontram. É importante lembrar que todo autor tem pelo menos o objetivo de manifestar suas ideias de acordo com o que apreende da realidade tangível ou intangível. Se ele entregar a um revisor um texto cuja clareza foi prejudicada devido à má qualidade da escrita, corre o risco de publicar o avesso do que pretendia. 

Estes, porém, são os menores dos prejuízos, o maior é oferecer uma leitura que ajudará no empobrecimento do idioma, consequentemente no empobrecimento da capacidade de o leitor pensar e expressar seus pensamentos e sentimentos. Ora, quem não se expressa não dialoga com o mundo, quem não pensa não consegue fazer juízo de valores. Então como tais pessoas conseguirão compreender o que são direitos e deveres? E, se não lograrem um mínimo desta compreensão, o que ocorrerá com a sociedade em que vivem? No que concerne a isto há muito a conjeturar, mas considerando apenas o que foi analisado podemos concluir: o empobrecimento do idioma contribui para dificultar a aquisição de valores necessários à condição de cidadania. 

Portanto nós, escritores, temos somente duas opções: ou desenvolvemos a habilidade no uso da linguagem, de modo a assumirmos, como nos for possível, o papel de guardiões do nosso idioma; ou desprezamos esta habilidade, mas sabendo que estaremos atuando como agentes de destruição deste idioma e que seremos os responsáveis pelas consequências disso. 


Morgana Gazel, autora de romances, poemas e contos.